Na Fazenda dos Cordeiros defendemos as tradições rurais entendendo que no mundo atual é preciso estar conectado com as realidades do crescimento urbano, principalmente nas grandes cidades.
Entender os conceitos de ruralidades e urbanidades é importante, tanto pra quem vive no meio rural como pra quem se dispõe a nele passar suas horas livres pro descanso. Neste sentido, trabalhamos com referências a territorialidades de indivíduos e grupos sociais, sejam elas socioculturais, econômicas ou políticas, assim como a objetos e ações característicos do espaço rural e urbano.
A turma da Fazenda dos Cordeiros entende que objetos e ações estão conectados, influenciando territorialidades, que segundo Souza (1995) as ações precedem aos objetos, pois, para que um objeto se materialize no espaço, são necessárias relações sociais anteriores, com intencionalidades sobre a existência do objeto.
A atividades que desenvolvemos na Fazenda dos Cordeiros é fundamentada na ruralidade, onde percebemos a existência de duas correntes de interpretação acadêmica:
A primeira, pautada na ideia de nova ruralidade, vê essa ruralidade como um processo geral de revalorização do rural, revalorização que, por sua vez, vem sendo disseminada e incentivada por instituições globais, por meio de financiamentos e de políticas públicas.
Essas instituições globais, como o Banco Mundial-BID, entre outras, comandadas pelos agentes hegemônicos do capital, defendem o discurso de revalorização do rural como elemento de redução da pobreza e da desigualdade social, porém têm como interesse implícito a ampliação das relações capitalistas no campo por meio de novas atividades agrícolas e não agrícolas no espaço rural.
Os pesquisadores do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura - IICA, Echeverri e Ribero (2005), representam bem essa corrente que entende a nova ruralidade como algo já existente, simplesmente em função do interesse de instituições globais em propagar essa ideia.
Echeverri e Ribero (2005) defendem a transição do planejamento setorial e centralizado para o territorial e descentralizado, porém acreditam que a economia de mercado, ao incorporar as dimensões política e ambiental, pode conduzir à ampliação de benefícios para as populações rurais, fato, em nossa opinião, altamente questionável.
Nessa perspectiva, a nova ruralidade não é algo construído socialmente pela população rural, mas mais uma ideia imposta por organismos concentradores do poder, cristalizada no discurso, porém muitas vezes não concretizada, que passa a ser utilizada e propagada por diversos pesquisadores como novos aspectos da realidade do espaço rural.
Nesse sentido, há uma rápida incorporação e divulgação da retórica como se esta fosse fundamentada na realidade empírica, mostrando que teorias passam a orientar a prática sem necessariamente serem desenvolvidas com base em constatações empíricas.
Lima enfatiza o discurso sobre a nova ruralidade e afirma que esta se torna um estilo de vida. Cabe, aqui, questionar se essa ruralidade é um estilo de vida para a população rural ou para a urbana, e se esta já se tornou ou deve se tornar um estilo de vida.
Apesar dessas dúvidas, Lima (2005) afirma que a diversidade de produtos, atores, atividades e a natureza se apresentam como elementos da nova ruralidade.
Wanderley (2002), utilizando como referencial a realidade europeia, fala da emergência de uma nova ruralidade, em virtude das novas funções definidas para o espaço rural europeu, sendo: a agricultura, a silvicultura, a aquacultura e a pesca; atividades econômicas e culturais tais como artesanato, serviços, indústrias; espaço para lazer e reservas naturais; e moradia.
Apesar da existência dessa nova ruralidade na realidade empírica europeia, traduzida pelas atividades elencadas acima, foram políticas públicas da União Europeia, como Política Agrícola Comum - PAC de 1992 e os Programas LEADER, a partir de 1994, os grandes incentivadores e disseminadores desses elementos característicos da nova ruralidade propagada na retórica oficial de instituições internacionais, supranacionais e nacionais.
Resta saber se essa nova ruralidade é reflexo de ações e anseios da população rural, transformados em políticas públicas, ou se é mais um projeto implementado de cima para baixo, que atinge e modifica as relações produtivas, econômicas, sociais e ambientais no espaço rural.
Demonstrando preocupação com a importação de teorias e ideias de outras realidades distantes da brasileira, Moreira (2005) tece críticas a Wanderley, no que tange à aplicação da concepção de ruralidade da Europa, no Brasil.
Ao entender que a realidade dos países periféricos é bem diferente da europeia, Moreira propõe a consideração de que existem duas narrativas sobre o rural: uma pautada na realidade da modernidade europeia, e outra na das modernizações incompletas da periferia latino-americana, em especial a brasileira.
Enquanto nos países europeus não se faz necessária uma reforma agrária, fica difícil pensar em um desenvolvimento rural que propicie qualidade de vida e benefícios para a população rural brasileira, sem uma profunda reforma agrária que permita reduzir as desigualdades sociais no Brasil.
A segunda corrente de abordagem da ruralidade privilegia a ruralidade como realidade empírica, construída, sobretudo por atores endógenos. Moreira (2005) prefere falar em ruralidades globais e locais, ao invés de uma nova ruralidade. As ruralidades seriam compostas por objetos, ações e representações peculiares do rural, com destaque para as representações e identidades rurais dos indivíduos e grupos sociais.
Moreira (2005) apresenta uma visão ampla de ruralidades, entendendo-as como manifestações representativas do espaço rural, traduzidas em políticas públicas, instituições, legislações, interesses, objetos técnicos e identidades características do rural.
O autor se refere a ruralidades presentes na Organização Mundial do Comércio, no mercado de commodities, nos transgênicos, no Ministério da Agricultura e Ministério do Desenvolvimento Agrário, na bancada ruralista, no Movimento Sem-Terra, nos ambientalistas, etc.
Nesse sentido, Moreira parece entender como ruralidades as diferentes interpretações de grupos sociais e instituições sobre o rural, bem como o território de atuação/influência de cada uma dessas instituições.
Para Carneiro (1998), a ruralidade é um processo dinâmico de constante reestruturação de elementos da cultura local, com base na incorporação de novos valores, hábitos e técnicas, decorrentes de novas relações cidade/campo.
A ruralidade não é mais definida com base na oposição à urbanidade. Pelo contrário, a revalorização da natureza cria uma urbanidade contemporânea que revaloriza a vida no campo e a produção de alimentos saudáveis.
Por conseguinte, acreditamos que a revalorização do rural pela sociedade urbana faz com que a própria população rural, ao perceber isso, passe a procurar atender aos anseios dos urbanos em relação ao rural.
Porém, a percepção e a decisão por mudanças para atender a esses interesses externos, é diferenciada para cada indivíduo e família rural.
Segundo Pieruccini e Corrêa (2005), a ideia de “novas ruralidades” pauta-se na reorganização dos processos produtivos próprios à lógica capitalista enquanto modo de produção. As autoras admitem que o fenômeno da “pulverização do urbano” incidiu sobre o rural.
Por conseguinte, a ruralidade local se reelabora por meio das inovações de processos e produtos gestados no urbano. Apesar da mudança nas atividades desenvolvidas no espaço rural, as geógrafas entendem, no entanto, que este não perde suas particularidades, guardando especificidades em cada comunidade.
Alencar e Moreira (2005, p. 301) também apontam para a origem urbana de diversas ruralidades, ao colocar que “as ruralidades que emergem das ordenações que vêm da cidade se movem entre entusiasmo pelo progresso urbano industrial (o processo modernizador) e nostalgia do agro tradicional.”
Além de a população rural possuir suas ruralidades (que vão se modificando a partir da relação desta com as técnicas e com o urbano), a população urbana também acaba apresentando ruralidades, estas ligadas ao seu interesse pelo rural.
As ruralidades dos urbanos podem ser profundamente idealizadas pela mídia e por atores interessados no rural como mercadoria, vendendo a ideia de rural como natureza, e como espaço de vida mais saudável.
Da mesma forma, a mídia tem forte influência nas urbanidades dos rurais, isto é, na incorporação de valores urbanos pela população rural, seja por meio da TV (novelas, telejornais, etc.), da internet ou do marketing.
Lima (2005) argumenta que existem elementos de ruralidade em espaços urbanos, bem como elementos de urbanidade em espaços rurais. Além disso, a interação entre urbano e rural pode reforçar a ruralidade dos urbanos, que, em nossa opinião, advém da transformação de objetos e ações característicos do rural em mercadoria. Rua (2005) considera o consumo simbólico do rural pela população urbana, ao apontar que o rural se vê consumido como virtual antes mesmo de se tornar mercadoria, sendo incorporado em discursos políticos e midiáticos, como referência cultural para a sociedade como um todo.
Marques (2002) se remete a Kayser para comentar a força da imagem do rural, vendida, sobretudo, por atores e empresas urbanas, e traduzidas nas paisagens rurais como objeto de consumo. Por conseguinte, aumenta o interesse dos citadinos pelo rural, fato que, por sua vez, leva a um processo de colonização do campo por parte da população urbana.
Além da influência da população urbana nos espaços rurais, Marques (2002) ressalta que as possibilidades de desenvolvimento de qualquer comunidade rural dependem dos laços que ela mantém com centros urbanos, particularmente com as cidades de sua própria região. É preciso, portanto, além do consumo simbólico e material do campo por parte dos habitantes das cidades, ater-se a outras relações econômicas e políticas estabelecidas entre o rural e o urbano.
Ao entender que o conceito de ruralidade é insuficiente para apreender a entrada de valores, ações e objetos de caráter urbano no espaço rural, e ao questionar a existência de um amplo processo de urbanização física do campo, Rua (2002 e 2005) desenvolve suas reflexões em torno do conceito de urbanidades.
Conforme o pensamento do geógrafo brasileiro, tanto a urbanização física como a urbanização ideológica no campo levam ao estabelecimento de urbanidades no espaço rural.
Rua atribui o comando da produção e transformação do espaço ao espaço urbano, fato questionado por Alentejano (2003). Nesse debate, entendemos que é preciso identificar e apreender o papel, as ações e as intencionalidades, tanto dos atores rurais quanto dos urbanos na produção do espaço rural, para, então, verificar até que ponto o urbano condiciona as transformações no campo. Independente desse debate, achamos pertinente a proposta de urbanidades de Rua, pois, se existem ruralidades, também existem as urbanidades.
Para Rua (2002), “as urbanidades são constituídas por uma enorme gama de manifestações que vão desde a melhoria da infraestrutura e dos meios de comunicação até a aposentadoria e novas formas de lazer”. A proposta de urbanidades busca abarcar o pluralismo, de modo que o turismo e o veraneio, a pluriatividade, os movimentos organizados e as reivindicações dos habitantes rurais vão confirmar a expansão das urbanidades nas áreas rurais.
O autor parece ir além da ideia de ruralidade/urbanidade como exclusiva da dimensão identitária, pois inclui objetos técnicos, e novas atividades agrícolas e não agrícolas como condutoras de urbanidades. Ocorre, contudo, que estes objetos e ações modificam a percepção da população rural, suas representações do rural, podendo alterar suas identidades rurais. Assim, Rua atribui as urbanidades a novas territorialidades.
Na visão de Rua (2005), as urbanidades no rural não se apresentam como oposição às ruralidades, mas se integram às novas ruralidades apontadas por Carneiro.
Rua (2005) e Carneiro (1998 e 1999) privilegiam a dimensão identitária das ruralidades e urbanidades, entendendo-as como territorialidades. Mesmo assim, Carneiro também aponta para o material como elemento fundamental das ruralidades, pois os objetos técnicos rurais contribuem para a identidade dos indivíduos em relação ao espaço rural.
As considerações sobre a importância dos objetos/materialidade, como elementos representativos de ruralidades e urbanidades, unidos à dimensão simbólica e identitária, nos conduzem a entender que as ruralidades e urbanidades são decorrentes tanto do material, com os objetos técnicos característicos do urbano ou do rural, quanto dos valores subjetivos em relação ao que caracteriza o urbano e o rural.
Ao carregarem consigo referências de ruralidades e/ou de urbanidades, os objetos técnicos influenciam a percepção de indivíduos e de grupos sociais sobre o que é rural e urbano.
Um objeto técnico (parabólica, TV a cabo, internet) pode conduzir a novas territorialidades, tanto na população urbana, mas principalmente nos rurais.
Essas novas territorialidades podem ser ruralidades ou urbanidades, e levar à aquisição de novos objetos técnicos (de caráter rural ou urbano), podendo gerar um processo de mudança de percepção e comportamento dos indivíduos e famílias.
Apesar de se manifestarem no concreto, as ruralidades e urbanidades estão, no entanto, profundamente vinculadas às territorialidades dos indivíduos e dos grupos, pois, como já explanamos, antes da existência de qualquer objeto técnico, é preciso ter havido alguma ação.
Outro aspecto a destacar diz respeito à diferença entre a territorialidade sociocultural / identitária (vinculada às relações sociais de um indivíduo e ao sentimento de pertencimento a um grupo ou espaço) e a territorialidade econômica e política, que corresponderia à área de influência/atuação de um indivíduo, grupo ou firma.
Um agricultor possui tanto uma territorialidade identitária/cultural como uma territorialidade econômica/política. Já uma instituição ou firma não costuma possuir essa territorialidade cultural, mas, sim, uma territorialidade econômica/política determinada pelas suas relações comerciais e seu espaço de influência.
Rua (2005) também utiliza o conceito de multiterritorialidade, trabalhado por Haesbaert (2004), ao entender que cada indivíduo possui múltiplas territorialidades decorrentes de sua vivência, que conduzem a diversas representações e identidades em relação ao espaço e aos territórios.
Assim, todos nós teríamos uma multe territorialidade, que é subjetiva, e, nesta, existiriam ruralidades e urbanidades. O apego à terra, às atividades agropecuárias, o modo de vida rural, o vínculo com as plantas e animais, o jeito de falar, o orgulho por ser do campo, entre outros fatores, corresponderiam a territorialidades da população rural, e, portanto, a ruralidades.
Já as ruralidades dos urbanos seriam aspectos que a população urbana percebe como identitários do rural. Estas podem ter origem em vivências passadas dos citadinos no espaço rural, ou na atual valorização e idealização do rural pela mídia e por outros atores urbanos.
O estilo country, os rodeios, a música “sertaneja”, a busca de lazer e diversão no meio rural (cavalgadas, hotéis-fazenda, esportes radicais) seriam condutores de ruralidades aos urbanos, porém são aspectos promovidos e organizados por atores e firmas urbanas.
De forma geral, as ruralidades dos urbanos estariam ligadas à utilização do rural como mercadoria, manifestadas na busca idealizada de um rural/natureza, bucólico e tranqüilo, onde a vida é mais devagar, mais saudável e sem stress.
Diversos indivíduos possuem, contudo, algum laço familiar com o rural, que também leva à existência de ruralidades. Por outro lado, os urbanos valorizam o rural como paisagem, e buscam um rural sem os inconvenientes tradicionais do campo (mau cheiro, insetos, sujeira, animais peçonhentos, trabalho pesado), e com o máximo de conforto das cidades (infraestrutura, boas estradas, TV, internet, piscina, ar condicionado, etc.).
É de se entender, portanto, que existe uma diferença entre as ruralidades “reais” e as ruralidades idealizadas pela mídia, pelos empresários e pelos políticos, que influenciam a percepção dos habitantes urbanos, atraindo-os para o consumo do espaço rural. Não obstante, o interesse da população urbana, de firmas e de novos atores sociais pelo rural, complexifica o espaço rural, pois traz novas técnicas (objetos técnicos, atividades e outras ações).
Na mesma linha de análise, as urbanidades seriam aspectos identitários do espaço urbano, presentes na percepção de indivíduos e nas representações de grupos sociais, sobretudo urbanos, mas também rurais. Nos habitantes das cidades predominam as urbanidades e nos do campo, as ruralidades, porém, assim como os urbanos podem apresentar ruralidades, os indivíduos e grupos rurais podem ter territorialidades urbanas (urbanidades).
O ritmo de vida determinado pelo relógio, o individualismo, a competitividade, a poluição sonora e visual, poderiam ser interpretados como urbanidades dos urbanos. O uso de tecnologias no campo, a influência da mídia e da televisão, a valorização da estética e da aparência, e a migração para as cidades, seriam exemplos de urbanidades que atingem a população rural.
Tanto a corrente defensora da nova ruralidade como algo existente a partir do interesse de instituições do capitalismo global em novos mercados presentes no rural, quanto a corrente das ruralidades e urbanidades como territorialidades sociais locais, destacam e emergência de novas atividades (agrícolas e não agrícolas), e de novas funções existentes no espaço rural, por sua vez decorrentes do regime de acumulação flexível e do meio técnico-científico-informacional.
Para Marques (2002), a revalorização do rural e seu crescimento populacional nos EUA, na França, e em outros países, está relacionada ao aumento de pessoas ligadas a atividades não agrícolas. Já Mattei (2003) afirma que a "nova ruralidade" não se restringe apenas à retomada do próprio rural, mas, fundamentalmente, porque incorpora às análises um conjunto de "outras funções" e de "novos processos" até bem pouco tempo desconhecidos do ambiente rural.
A flexibilização e a informalização do trabalho rural se traduzem em um aumento do número de agricultores e/ou de seus familiares ocupados em atividades que já não estão mais diretamente relacionadas à produção agrícola stricto sensu.
A partir do crescimento das atividades não agrícolas no campo, intensificam-se as relações e a interdependência entre o urbano e o rural, e, por conseguinte, as urbanidades e as ruralidades. Essa nova dinâmica do espaço rural é significativa, pois o rural se tecniciza, levando ao crescimento de famílias rurais pluriativas, ou seja, que combinam atividades agrícolas e não agrícolas autônomas ou assalariadas.
Por outro lado, o reconhecimento de múltiplas funções da agricultura, reconhecimento traduzido no conceito de multifuncionalidade, vem levando em consideração, além do papel econômico, as contribuições sociais e ambientais da agricultura familiar para o espaço rural.
Por conseguinte, toda essa complexidade do rural e da agricultura familiar conduz à necessidade da utilização de abordagens teórico-metodológicas atualizadas. Nesse sentido, procuramos discorrer sobre os conceitos de agricultura familiar e pluriatividade, no sentido de fundamentar os pressupostos teórico-metodológicos utilizados para investigar aspectos relacionados à agricultura familiar.
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